Protestos contra o governo dão impulso a grupos que lutam pela adoção do voto distrital no Brasil. Em meio aos cartazes de 'Fora Dilma', suas bandeiras já se fazem ver
Sempre que o PT se vê acuado pelas ruas - seja nos protestos de 2013
ou nas recentes manifestações que tomaram o Brasil contra o governo
Dilma Rousseff e o partido -, figurões da legenda sacam da cartola a
proposta de reforma política apoiada pela sigla como a panaceia para os
males que assolam o país. "Não vi ninguém nas ruas pedir reforma
política", chegou a ironizar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), sobre a resposta do partido às manifestações de 15 de março.
De fato, o "Fora Dilma" é pleito predominante entre os que saíram às
ruas naquele domingo e em 12 de abril. Mas a onda de insatisfação com o
governo já denota que o país abriu os olhos ao que se passa em Brasília.
Grupos aproveitam os protestos anti-Dilma para lançar manifestos pela
reforma política - mas uma reforma muito diferente daquela desejada pelo
PT, que demoniza o financiamento privado de campanha e defende o voto
em lista fechada. Pedem, entre outras coisas, a adoção do voto
distrital, com a consequente redução no número de partidos. E, com seus
cartazes, já se fazem ver nas ruas.
É o caso da aposentada Nazareth Fairbanks, de 75 anos, que protestava
em frente ao vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 12 de
abril. Escrito em verde e amarelo, o papel trazia os dizeres "Voto
Distrital Já". "Isso é que é reforma política", bradava ela, apontando
com o dedo para a cartolina colorida. Próximo à aposentada, um grupo
formado por cerca de dez pessoas recolhia assinaturas de manifestantes a
favor da medida que institui o sistema majoritário de votação para as
cadeiras do Legislativo. O apoio era endossado por lideranças do Vem pra
Rua - um dos principais movimentos por trás dos atos contra a
presidente Dilma Rousseff neste ano -, que defendia a proposta aos
gritos de cima dos carros de som.
"Se o impeachment resolvesse o problema do Brasil, depois do
Collor nós teríamos resolvido a política brasileira. O problema é muito
mais profundo. Precisamos mudar a forma como a sociedade e a classe
política interagem. E é justamente isso que faz o voto distrital:
conecta o eleitor aos seus representantes. Sem isso, qualquer mudança é
mero paliativo", afirma o empresário Mario Lewandowski, um dos porta
vozes do movimento Eu Voto Distrital, que esteve presente nos atos dos
dias 15 de março e 12 de abril. Segundo ele, nesse período o número de
adesões ao projeto explodiu: cerca de 15.000 assinaturas foram
conseguidas em um mês. O registro se iguala à marca atingida durante as
eleições do ano passado, e só é inferior ao alcançado em junho de 2013,
quando foram recolhidas 30.000 assinaturas. Os momentos de pico são
acompanhados pelo aumento da audiência na página do grupo no Facebook e
podem ser visualizados no gráfico abaixo. "Nosso apoio cresce
exponencialmente nos períodos de maior politização da população", avalia
Lewandowski.
Não à toa. A adoção do voto distrital implicaria mudanças drásticas
na estrutura política do país - e ajudaria a sanar questões como a crise
de representatividade do Congresso, ineficiência do governo, os altos
custos de campanha e a política baseada na fisiologia, ou no "toma lá da
cá".
A mudança só não tem ainda mais apoio justamente pela falta de
conhecimento da população, apontam os defensores do voto distrital. "É
um tema muito técnico. Mas assim que as pessoas conhecem o modelo e você
explica como funciona é tão intuitivo e lógico que todos abraçam na
hora", diz Lewandowski. Outra defensora ferrenha do voto distrital, a
professora aposentada Bartira Bravo, de 67 anos, afirma que o principal
entrave é a falta de informação. No dia 12 de abril ela foi à Avenida
Paulista justamente para pedir o "ensino de política e cidadania nas
escolas". "Sem educação não tem solução", repetia, como lema de sua
trajetória, marcada pela participação no movimento das Diretas Já
(1983-1984) e pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1992).
Bartira vê os atos contra a presidente Dilma como um "avanço" na
conscientização política da população. Para disseminar a proposta,
sobretudo na internet, o grupo Eu Voto Distrital publica frases de
personalidades favoráveis à medida, como o ex-presidente do Supremo
Tribunal Federal Joaquim Barbosa: "Sou inteiramente favorável ao voto
distrital. Com ele, você passa a eleger alguém cujo trabalho você
conhece".
No manifesto entregue na última quarta-feira por 26 grupos
responsáveis por encampar protestos contra a presidente, encabeçados
pelo Vem pra Rua, às lideranças de partidos de oposição, lá estava
novamente o pleito: "Maior justiça, legitimidade e representatividade
nas eleições pela implantação do Voto Distrital", dizia o quinto artigo
da carta lida na frente do Congresso.
O empenho de alguns manifestantes em levantar a bandeira do voto
distrital surgiu principalmente depois do ato do dia 15 de março, quando
o governo Dilma anunciou como resposta à mobilização que se empenharia a
aprovar reforma política no Congresso. Mas uma reforma em total
desacordo com as ruas. O partido sonha proibir doações privadas de
campanha. Alega que vetar doações eleitorais de empresas significaria
também dar fim aos esquemas de caixa dois e aos laços entre políticos e
grandes companhias - como as empreiteiras, atualmente no centro da
Operação Lava Jato. O argumento ignora o fato de que a derrama de
dinheiro público nas campanhas não eliminaria o incentivo para que as
legendas e os políticos continuassem a buscar dinheiro de maneira
clandestina para alimentar suas atividades. Tampouco declara que o PT
seria o maior beneficiário do financiamento público exclusivo. "Não é
essa reforma que nós queremos. Saímos às ruas no dia 12 de abril
justamente para dizer à presidente que ela não entendeu o nosso recado",
afirmou Rogério Chequer, coordenador do Vem pra Rua.
Levar adiante a adoção do voto distrital no Congresso não é uma
tarefa fácil. A mudança só pode ser concretizada por meio de emenda à
Constituição, o que exige votação em dois turnos na Câmara e no Senado.
Enquanto o PSDB defende o voto distrital misto, o PMDB encampa o chamado
"distritão". Já o PT quer o voto em lista fechada. "Assim como em
outros países, no Brasil é muito difícil debater a reforma política.
Principalmente porque aqueles que se elegem e se reelegem, hoje, têm
medo de mudar, de transitar para um novo sistema em que talvez não
tenham chance de ganhar", afirma o cientista político Paulo Kramer,
professor da Universidade de Brasília (UNB). Para o professor de Direito
Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e procurador-geral do
Estado, Elival da Silva Ramos, a única forma de emplacar a medida é por
meio das manifestações. "Essa discussão perdeu muito a importância à
medida que temos um sistema no qual impera a fisiologia. Um dos
elementos para mudar isso é a pressão popular", afirma.
Salvaguardadas as peculiaridades históricas, o sistema do voto distrital foi usado em dois momentos na história da política brasileira: a primeira na época do Império, e a segunda, na República Velha. O modelo só foi substituído pelo proporcional quando foi criado o primeiro Código Eleitoral brasileiro, em 1932, na era Vargas.
Na última quarta-feira, entrou na pauta de votação da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) um projeto, de autoria do senador José
Serra (PSDB-SP), que institui o voto distrital para as eleições nas
Câmaras Municipais de cidades com mais de 200.000 habitantes. A votação
foi adiada para a próxima semana porque o senador Humberto Costa (PT-PE)
pediu vista do processo, alegando inconstitucionalidade. Apesar da
resistência petista, Serra afirmou "ter ganhado o dia" ao saber do apoio
de peemedebistas, como a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) e o relator da
medida, senador Eunício de Oliveira (PMDB) ao texto. Além de dar um
parecer favorável ao pleito, Eunício fez um discurso inflamado em defesa
do projeto durante a sessão: "O sistema eleitoral constitui o coração
de um sistema político, e toda reforma que passe ao largo da mudança
nesse sistema eleitoral será insuficiente e inepta para fornecer à
sociedade brasileira uma resposta clara aos reclamos, inquietações e
críticas que levaram milhões de pessoas às ruas em junho de 2013 e neste
início de 2015. É preciso iniciar a reforma do sistema político
brasileiro, e esta reforma, para ser efetiva e sincera, deve contemplar a
reforma do sistema eleitoral proporcional de listas abertas, que o
Brasil adota sem grandes modificações desde o pós-guerra, nas eleições
de 1945".
Na expectativa de que a proposta seja aprovada tanto na Câmara como
no Senado até setembro, prazo máximo para que comece a valer nas
eleições municipais de 2016, o senador tucano vê um "clima propício"
para que isso ocorra. "É um processo fadado a dar certo. Aqui no Senado a
chance de aprovação é muito alta. Eu creio que hoje há um clima no país
que favorece. Inclusive, eu apresentei essa ideia na campanha para o
Senado. E a minha sensação é que não repercutia no horário eleitoral.
Mas na verdade repercutiu, as pessoas entendiam com rapidez a vantagem
desse sistema", afirmou Serra.
Entenda
Distrital puro
Adotado principalmente em países anglo-saxões, como Estados Unidos,
Grã-Bretanha, Canadá e Austrália, o modelo consiste em dividir o Estado e
as cidades em sub-unidades, mais conhecidas como distritos, dependendo
do número de eleitores. Os deputados e vereadores de cada distrito são
escolhidos por eleições majoritárias, assim como acontece nos pleitos
para prefeito, governador e presidente.
Proporcional com lista aberta
Modelo vigente no Brasil, o sistema é fundamentado no coeficiente
eleitoral, cujo resultado é apontado pela divisão entre os votos válidos
e as cadeiras disponíveis no Parlamento. Assim, ganha a disputa quem
recebeu mais votos dentro do partido.
Distrital misto
Conhecido como modelo alemão, por ter se consolidado no país após a
II Guerra Mundial, o sistema combina o proporcional com o distrital.
Desta forma, o eleitor vota duas vezes: uma no partido e a outra, no
candidato de seu distrito. No Brasil, este modelo é encampado pelo PSDB.
"Distritão"
Defendido pelos caciques do PMDB, como o vice-presidente Michel
Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o modelo se baseia na
eleição majoritária para deputados federais. Ou seja, ganha a eleição
quem receber mais voto, independente de quantos votos o partido obteve. A
diferença para o distrital é que o espaço circunscrito pelo sistema é o
Estado inteiro - por isso, 'distritão'.
Proporcional com lista fechada
Bandeira antiga do PT, a proposta prevê que o voto seja dado ao
partido e não ao candidato. A legenda é responsável por listar em ordem
os políticos que serão eleitos segundo o quociente eleitoral.
Os defensores do voto distrital encaram a tramitação da medida com
entusiasmo. Ainda que por ora esteja restrita às eleições para vereador,
acreditam que a proposta é um passo importante para reformar o sistema
político brasileiro. Kramer lembra o caso dos analfabetos, inicialmente
autorizados a votar só em eleições municipais, e que hoje são
autorizados a votar para todos os cargos eletivos. "Vejo a medida como
um teste piloto. A partir das eleições municipais, você pode ver os
problemas que surgem e as vantagens de sua aplicação, pensando já em
empregá-la nas eleições gerais", afirmou Kramer.
Fonte: Portal Veja
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