Brasil tem muito a desaprender com o Barusco
O delator Pedro Barusco não disse na CPI da Petrobras nada que já não
tivesse declarado à força-tarefa da Lava Jato. Mas a frieza com que
discorreu sobre a roubalheira diante das câmeras foi desconcertante. Num
instante em que todos os políticos da ‘lista de Janot’ fazem pose de
limpinhos e injustiçados, foi reconfortante assistir ao depoimento de um
corrupto sem qualquer atenuante, um bandido acima de qualquer suspeita,
um picareta sem o benefício da dúvida.
Ao contar que entesourou
na Suíça US$ 97 milhões em propinas amealhadas ao longo de 18 anos de
desonestidades, Barusco ressuscitou um velho debate sobre a influência
do ambiente na formação de um criminoso. Se há alguém que pode ser
considerado um produto do meio é Barusco. Como qualquer pivete aliciado
por traficantes, Barusco é o resultado da ilicitocracia que fez da
Petrobras uma ‘boca’ de propinas, um ponto do tráfico de interesses e
vantagens.
“Eu iniciei a receber a propina em 97 ou 98”, disse
Barusco. “Foi uma iniciativa pessoal, minha, junto com o representante
da empresa.” Culpa da permissividade nacional, que lhe ofereceu todas as
facilidades para roubar, garantindo-lhe a impunidade. “De uma forma
mais institucionalizada, foi a partir de 2003, 2004. Não sei precisar
exatamente a data, mas foi a partir dali”, prosseguiu Barusco, como que
denunciando a cumplicidade que lhe garantiu o sucesso monetário.
Não
fosse pela teimosia do juiz Sérgio Moro e dos procuradores de Curitiba,
talvez tivesse continuado como antes. Gente como Barusco não poderia
esperar senão mais tolerância e estímulo à delinquência. Sobretudo
depois que o PT, partido do Poder longevo, mordeu “entre US$ 150 milhões
e US$ 200 milhões.”
Os inquisidores petistas exigiram provas. E
Barusco: “O que eu disse foi que eu estimava. Estimava que, por eu ter
recebido a quantia que está divulgada, como o PT, na divisão da propina,
tinha —ou cabia a ele receber o dobro ou um pouco mais—, que eu
estimava que ele poderia ter recebido o dobro. Se eu recebi, por que que
os outros não teriam recebido?”
Barusco se apropriava de 0,5% da
propina de cada contrato firmado na sua área. O PT abocanhava 1%. Coisa
acertada entre o então diretor de Serviços Renato Duque e o tesoureiro
do PT João Vaccari. “Existia, vamos dizer, uma reserva de propina, uma
reserva para o PT receber. Se ele [Vaccari] recebeu, da forma que
recebeu, eu não sei.”
Súbito, Renato Duque, o superior hierárquico
de Barusco, pediu à empresa holandesa SBM R$ 300 mil para as arcas
eleitorais da campanha de Dilma. “Aqueles 300 mil que eu disse, na área
de reforço de campanha, foi na campanha presidencial de 2010”.
O
deputado Júlio Delgado (PSB-MG) perguntou ao delator se ele conhecia o
mentor da petrorroubalheira. E Barusco: “A cabeça do negócio, eu também
não sei dizer. Eu sei as pessoas que eu citei. Não havia um único, vamos
dizer assim, responsável.” Fabuloso! Só havia beneficiários, não
responsáveis.
Perguntou-se a Barusco se as empreiteiras eram
achacadas, como alegam seus executivos? “Fico procurando na minha mente,
na minha memória e não encontro caso nenhum”, declarou o delator. “Era
uma relação normal, que se acordavam. Nunca vi extorsão.” Tanta
normalidade só poderia resultar no meio apodrecido que fez da Petrobras
essa jazida de Baruscos.
O Brasil tem muito a desaprender com
Barusco antes de deixar de deixar de ser uma gigantesca caverna de
Ali-Babá. Para se tornar sério, o país terá de desaprender como
construiu essa promiscuidade que mistura dinheiro fácil e poder farto.
Terá de desaprender como formou as alianças do banditismo empresarial
com o amoralismo político. Quer dizer: terá de recomeçar do zero.
Barbosa: depoimento de Barusco foi 'chocante
O ministro aposentado do STF Joaquim Barbosa, ex-relator do
julgamento do mensalão, assistiu pela tevê à inquirição de Pedro Barusco
na CPI da Petrobras. Na madrugada desta quarta-feira, ele se plugou à
internet para veicular um lote de notas sobre o tema. Sem mencionar o
nome do ex-gerente da Petrobras, classificou de “chocante” seu
depoimento. E insinuou que a história pode pregar uma “peça” no PT e em
Dilma Rousseff.
“Como milhões de brasileiros, vi a programação da TV Câmara ontem”, anotou Barbosa em sua conta no Twitter. “Chocante”, ele definiu. Numa alusão indireta ao embate que PT e PSDB travaram durante a sessão, o ex-ministro criticou:
“Muitos
vêem o que se passou ontem na Câmara dos Deputados sob ótica puramente
partidária. É um tremendo erro. Por quê? Partidos são meros
instrumentos. Nossa nação não se construiu e tampouco se define à luz de
momentâneos interesses partidários.”
Barbosa empilhou três
mensagens historiográficas. Quem lê fica com a impressão de que o autor
não exclui a possibilidade de o mandato de Dilma Rousseff terminar mal.
Eis o que escreveu o ex-presidente do STF:
“1)
quem diria em maio de 1789 que aquele convescote estranho realizado em
Versalhes iria desembocar na terrível revolucão francesa?; 2)
em 15/11/1889, nem mesmo o general Deodoro da Fonseca tinha em mente
derrubar o regime imperial sob o qual o Brasil vivia. Aconteceu; 3)
nem o mais radical bolchevique imaginaria lá pelos idos de 1914 que a
1ª guerra mundial facilitaria a queda do regime czarista da Rússia”.
Barbosa
arrematou: “Por que fiz esses três últimos posts sobre História? Porque
no Brasil pouca gente pensa nas ‘voltas’ e nas ‘peças’ que a história
dá e aplica.”
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