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terça-feira, 9 de junho de 2015

Em meio ao ajuste, igrejas cobiçam o "Bolsa Bispo"

Das pensões das viúvas ao seguro-desemprego, do Minha Casa Minha Vida ao financiamento estudantil, todo brasileiro está sofrendo na pele o aperto do gasto público — enquanto o País aguarda um aumento de impostos que os economistas dizem ser inevitável.
Eduardo Cunha
Mas algumas igrejas evangélicas e seus pastores estão prestes a conseguir justamente o oposto: um alívio tributário que só a Divina Providência — ou o Deputado Eduardo Cunha — poderia prover.
Folha de S. Paulo descobriu que Cunha, um fiel da Assembleia de Deus cuja base eleitoral é majoritariamente evangélica, semeou na Medida Provisória 668 — que tratava do aumento de impostos sobre produtos importados — um artigo que resultará, na prática, em imposto ZERO para pastores evangélicos.
Deus seja louvado.
Cunha negociou a inclusão, na MP, de um artigo que livra os pastores de pagar impostos sobre as chamadas ‘comissões’, recursos que as igrejas repassam aos pastores “por arrebanhar fieis ou recolher mais dízimos,” de acordo com a Folha. Outras denominações se beneficiarão da medida, mas ela favorece “sobretudo as igrejas evangélicas neopentecostais, vertente em que o pagamento de comissões a pastores é mais comum”, disse o jornal.
De quebra, as igrejas evangélicas poderão conseguir a anulação de autuações fiscais que passam de 300 milhões de reais. A MP foi aprovada no fim de maio.
Se sancionada pela Presidente Dilma, essa será uma das maiores vitórias da bancada evangélica no Congresso, num momento em que líderes religiosos, frequentemente citando o Velho Testamento, querem influir cada vez mais na agenda legislativa do País, de políticas educacionais à saúde pública, passando pelo debate de costumes — e num momento em que o Governo pede sacrifícios e paciência à sociedade.
No caso da MP 668, a Graça fiscal se manifestou pelos caminhos sinuosos dos milagres legislativos.
Como se sabe, a Constituição garante imunidade tributária aos templos, mas eles são obrigados a pagar contribuição previdenciária e reter na fonte o Imposto de Renda sobre a remuneração dos pastores. A lei atual tem uma ressalva: não há tributação sobre ajudas de custo — moradia, transporte e formação educacional, entre outros itens, desde que esse dinheiro seja para a subsistência do profissional. (Não pode haver pagamento de ajuda de custo de forma habitual, sob pena de ela ser caracterizada como salário.)
Ocorre que, de acordo com a Folha, muitos pastores recebem um salário fixo muito baixo (tributável) e, por fora, ‘comissões’ a título de ‘ajuda de custo’ que chegam à casa dos 100 mil reais. “Valores sempre vinculados ao desempenho do profissional em angariar fiéis”, explica o jornal.
Ou seja: enquanto funcionários de empresas privadas chegam a pagar a alíquota máxima de 27,5% de IR sobre seus bônus por mérito, alguns pastores que batem a meta do dízimo sonegam o Leão recebendo quase tudo como ajuda de custo.
A Receita não foi misericordiosa e fez cair, sobre eles, sua ira. Em 2014, multou em 60 milhões de reais a Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor R.R. Soares. Uma heresia.
Como, então, livrar os pastores do IR e as igrejas, da Previdência? O artigo inserido por Cunha lidou com o assunto de maneira inteligente e até elegante, como é de seu feitio.
O artigo amplia o conceito de ajuda de custo ao dizer que as condições descritas na lei atual são ‘exemplificativas’ e não ‘taxativas’.
Dito de outra forma: com a MP, o dinheiro que os pastores recebem não precisa ser exclusivamente para subsistência para ficar livre de impostos e pode, sim, ser vinculado ao desempenho do pastor.
Segundo a Folha, “o texto também deixa claro que valores pagos aos religiosos como ‘ajuda de custo, ainda que em ‘montantes diferenciados, não constituem remuneração.”
Cunha, que como Presidente da Câmara dos Deputados decide na prática quais medidas de sacrifício o Congresso vai deixar o Governo impor à sociedade, tem, é claro, uma boa explicação para isso tudo.
Para ele, o artigo não cria uma nova regra, “apenas esclarece a regra antiga, porque do jeito que estava, dava desculpa para lavrar auto de infração contra as igrejas,” o deputado disse à Folha. Ou seja: para o chefe do Poder Legislativo, a Receita Federal trabalha com ‘desculpas’ para fazer o seu trabalho, as igrejas são as vítimas e, para corrigir essa ‘distorção’, todos pagaremos a conta.
A imunidade tributária às igrejas é uma prerrogativa constitucional, mas molezinha para pastores é outro assunto.
É um tema que não pertence ao arcabouço, cada vez mais tênue, que separa os mistérios da fé das políticas de Estado. Pertence, sim, à falta de cerimônia dos políticos brasileiros de criar cartórios para alguns, inventar exceções para outros, e ‘quebrar um galho’ para os amigos — enquanto sobrecarregam a sociedade toda com a conta. Esta é a natureza — secular e materialista — desta ‘meia-entrada’ fiscal obtida pelas igrejas.
Mas será que os pastores não merecem que o Estado lhes quebre esse galho?  Afinal, a maioria deles faz um trabalho importante de ministrar a Palavra e oferecer conforto espiritual.  Infelizmente, recompensar o valoroso trabalho de doação dos pastores com uma vantagem tributária que não existe para bombeiros, professores, policiais e assistentes sociais seria colocá-los acima de todos estes outros profissionais que educam e protegem nossos filhos, arriscam a vida para salvar a nossa, e cuidam daqueles que menos têm.
A única diferença entre eles é que seria um verdadeiro milagre achar um bombeiro ou professor ganhando tanto quanto alguns pastores. 

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