Quase dez anos depois de o Ministério Público Federal ter detectado que
agências de publicidade do empresário Marcos Valério eram responsáveis
por operacionalizar o propinoduto utilizado para abastecer o mensalão,
publicitários e empresas de propaganda são novamente colocados no centro
de um gigantesco escândalo de corrupção - desta vez, o bilionário
esquema de lavagem de dinheiro desvendado pela Operação Lava Jato da
Polícia Federal. Na 11ª etapa da operação, deflagrada nesta sexta-feira,
a investigação mapeou no esquema digitais semelhantes às utilizadas
pelo grupo de Valério pouco antes de 2005 e chegaram à conclusão de que a
agência Borghi/Lowe, do empresário Ricardo Hoffman, utilizava contratos
de prestação de serviços com o Ministério da Saúde e com a Caixa
Econômica Federal para irrigar os cofres de políticos corruptos por meio
do pagamento de propina. Preso pela PF, o ex-deputado André Vargas
(ex-PT-PR), aquele que defendeu com o punho em riste os colegas
mensaleiros diante do ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa, foi um
dos principais beneficiários deste propinoduto.
O histórico petista é pródigo no uso de agências de publicidade para
lavar dinheiro sujo obtido por meio de esquemas de corrupção. Ainda que
não seja exclusividade do partido - o mesmo modus operandi
serviu ao escândalo do valerioduto mineiro, que desviou dinheiro de
contratos de patrocínio de eventos esportivos -, é inegável que desde os
tempos do mensalão houve uma espécie de profissionalização do uso de
contratos de propaganda e marketing para branquear dinheiro de caixa
dois ou simplesmente camuflar a movimentação de dinheiro da roubalheira
petista. Os contratos de publicidade, assim como os acordos de
consultoria hoje alegados pelo ex-ministro mensaleiro José Dirceu para
justificar os 29,2 milhões de reais que recebeu de empreiteiras
investigadas na Lava Jato, servem com eficiência a esquemas criminosos
porque é difícil medir os serviços ou verificar in loco os custos de cada produção publicitária.
Em 2005, em depoimento na CPI dos Correios, que investigava o
escândalo do mensalão, o publicitário Duda Mendonça, marqueteiro do
ex-presidente Lula nas eleições de 2002, admitiu que recebeu 10,5
milhões de reais de Marcos Valério em depósitos em um paraíso fiscal no
exterior. A revelação evidenciou que os tentáculos do então desconhecido
Valério haviam abastecido o caixa da campanha petista na disputa que
levou Lula ao Palácio do Planalto. Mais tarde se descobriria que a
atuação de serviços publicitários como camuflagem para atuações
criminosas do PT não se restringiu ao episódio Duda Mendonça.
O uso de contratos de publicidade para fins ilícitos se deu, por
exemplo, no escândalo do mensalão, quando o então presidente da Câmara
dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) recebeu propina de 50.000 reais
para providenciar "tratamento privilegiado" a Marcos Valério em uma
licitação da qual sairia vitoriosa a agência de publicidade SMP&B,
de propriedade do empresário mineiro. Menos de duas semanas depois de
Cunha ter recebido a propina, a agência venceu licitação na Casa, mesmo
já tendo sido desclassificada da concorrência anterior por insuficiência
técnica. A empresa acabou subcontratando 99,9% dos serviços.
Ainda entre as tramas de corrupção envolvendo a atuação de
mensaleiros e contratos de propaganda, o Supremo Tribunal Federal (STF)
concluiu que o então diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique
Pizzolato e os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon
Hollerbach atuaram desvio de mais de 70 milhões de reais do BB por meio
do fundo Visanet, responsável pela promoção de cartões de crédito da
bandeira Visa, e de um montante que as agências de publicidade eram
obrigadas a devolver à instituição financeira. O chamado núcleo
publicitário do mensalão embolsou 2,9 milhões de reais em bônus de
volume, uma gratificação paga pelos veículos de comunicação, enquanto
73,8 milhões de reais foram pagos pelo banco público à agência de
publicidade DNA, de Valério, sem que houvesse comprovação de qualquer
serviço prestado. Parte dos pagamentos foi justificada com notas fiscais
frias. Foram emitidas nada menos que 80.000 delas.
O mercado de publicidade tem uma prática que virou terreno fértil
para desvio de recursos de estatais: o chamado "bônus por volume". Ele
nada mais é do que um tipo de comissão que as produtoras e empresas de
comunicação pagam de volta para as agências como uma espécie de
recompensa por serem escolhidas para prestar os serviços de marketing ou
publicidade. Um especialista exemplifica que, na Caixa Econômica
Federal, 90% da verba para campanha publicitária costumam ser gastos com
mídia e outros 10% com produção. Ocorre que cada empresa de mídia ou de
produção devolve à agência de 10% a 15% do que recebeu. O problema é
que, no caso dos contratos investigados pela Operação Lava Jato, já se
sabe que o chefe da Borghi/Lowe em Brasília redirecionava as comissões
para as empresas de irmãos do ex-deputado federal André Vargas
(ex-PT-PR).
O esquema de publicidade da Lava Jato é similar ao do mensalão,
embora, até agora, os personagens e empresas do setor não se repitam.
"No mensalão também havia uma interação das empresas do Marcos Valério
em relação à apropriação do bônus de volume. Nesse aspecto há uma
semelhança de padrão entre eles [os escândalos]", explicou o procurador
da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante força tarefa da
Operação Lava Jato.
"É um esquema que envolve duas camadas entre o Ministério da Saúde [e
a Caixa] e as empresas do deputado", disse Lima. "O ministério e a
Caixa têm contratos com essa agência de publicidade que subcontrata
produtoras de material para a propaganda. Essas empresas normalmente
devem devolver, por prática de mercado, um volume de valores, o bônus de
volume que já foi usado no esquema do mensalão, para a agência de
publicidade. Só que por ordem da agência elas repassavam o bônus para
empresas ligadas ao Vargas."
Para o procurador, Vargas simulou a prestação de serviços com notas
fiscais frias para receber os 10% de gratificação e praticou lavagem de
dinheiro.
Fonte: Laryssa Borges/ Felipe Frazão/ Portal Veja Abril
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