O ano de 2015 deverá ser lembrado como o início de um novo capítulo
da história humana. Previsões da Organização Mundial da Saúde
(OMS) indicam que, até dezembro, a população de crianças com menos de
5 anos será ultrapassada pela faixa com mais de 65 anos de idade.
A mudança veio para ficar e promete transformar a relação de forças
entre as gerações, que tem como ponto de tensão a aquisição da casa
própria.
Ter ou não ter será, gradualmente, a maior cisão entre quem nasceu
nas décadas de 1980 e 1990 (a geração do milênio) e os nascidos nos anos
1940 e 1950. Enquanto o primeiro grupo poderá jamais conseguir adquirir
um teto, o segundo já tem um teto, mas é pressionado a ajudar quem não
tem e batalha para conquistar um.
O cabo de guerra tem se repetido em diversos países. Nos Estados
Unidos, o estouro da crise de 2008 originou o fenômeno da geração
bumerangue, gente que saiu da casa dos pais, não conseguiu arcar com os
próprios gastos e se viu de volta ao ponto de partida, mais precisamente
no mesmo quarto onde passou a infância. Embora a situação financeira do
país tenha melhorado nos últimos anos, a restrição do financiamento
imobiliário causada pela bolha fez com que esses jovens encontrassem no
aluguel sua única alternativa. Daí decorre um efeito cascata: a maior
demanda por imóveis para alugar levou a uma alta no preço dos aluguéis, o
que por sua vez caiu como uma pá de cal no sonho de quem queria, ao
mesmo tempo, pagar o aluguel e economizar para comprar o próprio teto.
Para especialistas, a desistência da compra de um imóvel e a resignação
com o aluguel representa uma profunda mudança de paradigma do american way of life.
Na Inglaterra, a situação também é problemática. Pela primeira vez na
história, os idosos vivem melhor se comparados a qualquer outra fatia
da população — especialmente os jovens de 20 e poucos anos. De olho nas
eleições de maio, o primeiro-ministro David Cameron tem se esforçado
para atrair os (numerosíssimos) eleitores mais velhos, comprometendo-se a
proteger de cortes os benefícios de pensionistas, oferecer passe de
ônibus gratuito e dispensá-los do pagamento de alguns impostos (como o winter fuel payment, pago uma vez por ano para cobrir despesas extras com aquecimento durante o inverno).
A casa própria é a peça mais importante desse tabuleiro. Boa parte
dos idosos ingleses comprou casas baratas que se valorizaram muito ao
longo dos anos, ao ponto de parte deles não ter mais condições de arcar
com os impostos e a manutenção, desfazendo-se delas. Ainda assim, estão
melhores do que os jovens, que, segundo analistas, podem nunca conseguir
subir o primeiro degrau da escalada da compra. A escalada de preços dos
imóveis é o motor da mudança, segundo reportagem do jornal Financial Times.
No Brasil, o quadro se repete. Há um aumento do poder de compra dos
idosos e, na outra ponta da gangorra, um menor poder de fogo dos jovens,
somado à recente alta dos preços do mercado imobiliário. Se em 2006 a
soma dos rendimentos dos mais velhos foi de 16 bilhões de reais, em 2020
ela deve chegar a 25 bilhões de reais. Atualmente há 15,8 milhões de
idosos chefes de família e 3,7 milhões de aposentados que trabalham para
complementar a renda, em um universo de 22,3 milhões de brasileiros com
mais de 60 anos.
Na outra ponta, estão os jovens. De acordo com dados do Pnad
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), 62% da faixa entre 18 e
29 anos que vive em áreas urbanas mora com os pais, incluindo tanto os
solteiros como os que já iniciaram a própria família.
A receita brasileira leva um ingrediente explosivo: a rapidez dessa
transformação. A população idosa do Brasil dobrará em apenas duas
décadas, fenômeno que na França levou cem anos para acontecer. Embora os
países mais desenvolvidos detenham os maiores índices de população
idosa hoje, com Japão e Alemanha no topo do ranking, os países em
desenvolvimento são os que envelhecerão mais depressa daqui para frente.
Nos próximos quarenta anos, as nações ricas terão um aumento de 71% na
fatia de idosos, contra 250% previsto para as nações em desenvolvimento.
Na média mundial, a proporção de idosos esperada para 2050 é o dobro da
registrada em 2010 (8% contra 16%).
A exemplo da Inglaterra, o mercado imobiliário brasileiro também
sofreu intensa valorização nos últimos anos, fruto de décadas de
estagnação e demanda represada. A partir do início dos anos 2000, quando
o acesso ao crédito foi facilitado e incorporadoras abriram capital, os
preços tiveram altas recordes. Em um único ano (2010) o Rio de Janeiro
viveu um aumento de 40% nas unidades recém-lançadas e São Paulo
registrou alta de 24% no mesmo segmento. Quem não comprou imóvel até
2007, encontra hoje uma situação bem mais difícil devido aos valores
praticados. O delicado momento pelo qual passa a economia brasileira só
complica as coisas ainda mais.
Com o envelhecimento da população, é possível dizer que nunca tantas
gerações diferentes estarão vivas ao mesmo tempo. Nossos filhos e netos
têm e terão mais chances de conhecer seus bisavós e trisavós do que nós e
nossos ancestrais tivemos e poderão conviver com eles por um período
maior. Muitas famílias terão de readequar suas casas para
comportar pessoas de diferentes idades sob o mesmo teto, impondo novos
desafios à arquitetura. Estima-se que 1,5 milhão de lares americanos
funcionem assim. No Brasil, por enquanto as dificuldades da convivência
inter geracional apenas engatinham. Mas, pela velocidade da mudança
aguardada para as próximas décadas, logo sairão em disparada.
Por Mariana Barros/ imagens net
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